Beckettéricas, ou esperando o robot

Tem essa ideia, tantas vezes acusada de pessimista, e pós-moderna, de que a esperança diminui num passo inverso à proliferação das revoluções técnicas e da síntese de inteligências que complementariam, superando, a nossa. A frustração com aquilo que essas aquisições não trouxeram, se é que não trouxeram, pode ter uma face decepcionada, mas, numa perspectiva de contramão, aumenta a desesperança justamente porque, antes, lança a esperança num degrau vertiginoso. Quanto mais alto, maior o tombo.

Já há algum tempo, passeando pelo Maps, fico interessado no número de construções, nas nossas cidades, reféns de algum tipo de promessa. Aliás, quando visito uma cidade, quase tudo nela me põe em contato com o plano e a expectativa de quando apareceu. Um drogaria, um banco, um hospital, uma igreja, ou uma lotérica: tudo, no homem, é um exercício de fé. Saber que o nosso mundo tem fim pauta muita coisa, não tudo, na vida.

Então, esperando pelo fim, fatal, esperamos, em chave de combate, por um amontoado de acontecimentos e realizações que, às suas maneiras, adiam o confronto com a falta definitiva de tempo para levantar e imaginar de novo. É assim que surgem as Beckettéricas e a espera pelo robot. Diante de prints com pessoas investindo expectativa em casas de jogo e sorte, insiro diálogos da ainda belíssima peça do Beckett, Esperando Godot. Se chega? Só Deus dirá.

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Em breve, não sei se em tom de resgate ou resignação, as montagens vão circular em lambes colados por São Paulo. Até.


nosotros, los románticos pos los que vinimos antes

Por otra parte, ninguna de las fechas de cierre que se propusieron es admisible desde nuestro punto de vista: ni 1848 ni el fin del siglo marcan su desaparición o tan siquiera su marginación. Si bien en el siglo XX los movimientos artísticos cesan de llamarse así, no es menos cierto que corrientes tan importantes como el expresionismo y el surrealismo y autores capitales como Mann, Yeats, Péguy y Bernanos, llevan la profunda huella de la visión romántica. De la misma manera, ciertos movimientos socioculturales recientes - en particular las rebeliones de los años 60, la ecología, el pacifismo - son difícilmente explicables sin referirse a esta visión del mundo.
— LÖWY, 1992/2008, p.27

Situacionistas, ecos românticos (?)

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Como hizo observar Max Milner, el primer romanticismo (el de comienzos del siglo XX) sigue apelándonos porque “la crisis de civilización ligada al nacimiento y al desarrollo del capitalismo industrial está lejos de haberse resuelto.
— LÖWY, 1992/2008, p.28

O verdadeiro controle do capitalismo atual é o controle farmacopornográfico da subjetividade

Se considerarmos que a indústria farmacêutica - que inclui a extensão legal das indústrias científicas, médicas e cosméticas, bem como o tráfico de drogas consideradas ilegais -, a indústria pornográfica e a indústria da guerra são os pilares do capitalismo pós-fordista, devemos ser capazes de dar um nome mais cru a este trabalho imaterial. Vamos ousar, então, e elaborar as seguintes hipóteses: as matérias-primas do processo produtivo atual são a excitação, a ejaculação, o prazer e o sentimento de autossatisfação, controle onipotente e total destruição. O verdadeiro controle do capitalismo atual é o controle farmacopornográfico da subjetividade, cujos produtos são a serotonina, o tecnossangue e os hemoderivados, a testosterona, os antiácidos, a cortisona, o tecnoesperma, os antibióticos, o estradiol, o tecnoleite, o álcool e o tabaco, a morfina, a insulina, a cocaína, os óvulos vivos, o citrato de sildenafil (Viagra) e todo o complexo material e virtual que participa da indução de estalos mentais e psicossomáticos de excitação, relaxamento e descarga, e também no controle total e onipotente.
— (PRECIADO, 2018, p.42)
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hoje (...)

as tardes de domingo

ontem tinha, hoje (…)

e semana que vem

vêm como um trem

o apito bagunçando

o ar

com o vento

de quando era só apito

e menos saudade

das mesas, da comida, da conversa

na volta de carro

sem fim

- e da risada

que enchiam o domingo

com o ânimo

(a vida)

de viver, de novo, a semana seguinte

com certeza

mais bem a esperança

de brindar o primeiro dia

dos sete dias da semana

no apito de um trem

de novo

cargueiro de um jeito

que é o jeito no qual

tudo

tudo que vai ser nada

ainda

pode

acontecer

contra)revolução

Qualquer pessoa com um bom ouvido para as nuances do discurso sobre a revolução, estendendo-se até o nosso tempo, reconhecerá a mudança, assim como os elementos confusos e que confundem desses chamados repetidos para a revolução, muitos dos quais, sob as pressões da história subsequente, se tornariam não apenas alternativas, mas antagonistas políticos reais.
— Raymond Williams, 1998

O abraço, de novo

O abraço, de novo

Da última vez
a gente se olhou de longe
soprando dois beijos
Quem sabe
aconteceu
de se cruzarem, soltos,
no meio do caminho?

O que tinha de rotina
num gesto de despedida
O toque macio do capuz
do moletom
eu visto agora
fracassando em roubar pra sempre
o que existe
só e quando é dos dois

Ficamos
Eu fiquei
manco, com os dois braços
caídos, rentes ao corpo
inventando um eixo
que eu não tenho mais

Era assim agora
vazio e arrastado
sem a promessa
do abraço
sequer do último
esvaziado
por conta de tudo, maior
que não vai ser

de novo
 

toda disciplina tornada autônoma deve desmoronar

O desenvolvimento dos conhecimentos da sociedade. que contém a compreensão da história como cerne da cultura, adquire por si um conhecimento sem retorno, expresso pela destruição de Deus. Mas essa “condição primeira de toda crítica” é também obrigação primeira de uma crítica infinita. Quando nenhuma regra de conduta pode mais se manter, cada resultado da cultura a faz avançar para a dissolução. Como a filosofia no instante em que ganhou sua plena autonomia, toda disciplina tornada autônoma deve desmoronar, primeiro como pretensão de explicação coerente da totalidade social, e depois até mesmo como instrumentação parcelar utilizável em suas próprias fronteiras. A falta de racionalidade da cultura separada é o elemento que a condena a desaparecer, porque nela vitória do racional já está presente como exigência.
— DEBORD, 2012, p.120
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