Li uma nota sobre esse que seria o primeiro filme integralmente produzido a partir de pinturas. Do que escreve a BBC, o mais divertido provavelmente será ver e ouvir as entrevistas cedidas pelos personagens das telas do Van Gogh. Hibridismo midiático a favor da imaginação, da fervura do caldo da cultura.
Antropofagia
“Nós somos contra os fascistas de qualquer espécie e contra os bolchevistas de qualquer espécie. O que nessas realidades políticas houver de favorável ao homem biológico, consideramos bom. [...] Como a nossa atitude em face do Primado do Espiritual só pode ser desrespeitosa, a nossa atitude perante o marxismo sectário será também de combate. [...] Quanto a Marx, consideramo-lo um dos melhores “românticos da Antropofagia”. ”
Trabalho interessante do artista cearense Narcélio Grud. Meio herdeiro do Letrismo e dos situacionistas, fase curtição, bem no resgate do artista artesão que modela o mundo imediato, a partir de ideias "privadas", na expectativa de esculpir um mundo expandido.
Bacán!
Criar é criar a si mesmo
“Marx participa plenamente do desenvolvimento desse programa ao mostrar que a produção de bens materiais (a poiésis) e a produção de si mesmo através de práticas individuais (a práxis) se equivalem dentro do quadro geral da produção das condições de existência da coletividade. A arte moderna, e é essa sua principal virtude, nega-se a considerar o produto acabado e a vida a ser vivida como separados. Práxis igual a poiésis. Criar é criar a si mesmo. ”
Picabia. Galipette.
um fim
“Conceitos do bem e do mal são apenas meios para atingir um fim. ”
Formigueiro
“Os homens são de operação ou de manutenção. Operação e manutenção do formigueiro e das formigas. Se um operário, um comerciante ou um banqueiro são criaturas de operação, as que fazem os túneis para a circulação dos alimentos, dos objetos, dos veículos, dos papéis, do dinheiro e da merda, os médicos, por exemplo, são os encarregados da manutenção, do bom estado de saúde e da eficiência social das formigas obreiras.”
Linguagem dentro da linguagem
“O poeta consagra-e e consome-se, portanto, em definir e construir uma linguagem dentro da linguagem; e a sua operação longa, difícil, delicada, que exige as qualidades mais diversas do espírito e que nunca se acaba, da mesma forma como nunca é exatamente possível, tende a constituir o discurso de seu ser mais puro, mais poderoso e mais profundo em seus pensamentos, mais intenso em sua vida, mais elegante e mais feliz em suas palavras que qualquer pessoa real. Essas palavras extraordinárias são conhecidas e reconhecidas através do ritmo e das harmonias que as sustentam e que devem estar tão íntima e tão misteriosamente ligados à sua produção que o som e o sentido não possam mais separar-se, correspondendo-se infinitamente na memória. ”
Koyaanisqatsi na era da reprodutibilidade técnica
"A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica" é, provavelmente, um dos textos mais recomendados nos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas, no mundo ocidental.
O que poderia ser falta de criatividade, certo dirigismo, ou colonialismo cultural, é também, e cada vez mais, uma tremenda demonstração de como acontece de o mundo atravessar, com antecedência, o espírito de algumas pessoas. Em tempos de internet e mídias sociais digitais, os palpites de Benjamin vão se confirmando, se multiplicando, às toneladas.
O exemplo dessa semana é a versão que fizeram para o clássico de Godfrey Reggio, Koyaanisqatsi, exclusivamente a partir de fotos e clipes disponíveis em bancos de imagem. Batizado com o bem-humorado título Koyaanistocksi, o resultado me faz pensar na literatura de Kenneth Goldsmith, polêmica por citar, parafrasear e bricolar textos de terceiros. A criação, na era da reprodução técnica, teria caminhado - explicitamente - para a recriação, a cópia e o plágio.
...
Antônia e Felipe se sentaram na mesa mais ao fundo. Pediram dois rodízios. Antônia escolheu água mineral, sem gás, com muito gelo e limão. Felipe agradeceu. reforçando que não bebia durante as refeições.
- Anda tudo tão esquisito.
- Em que sentido?
- O nosso tempo, esse tempo, a cidade.
- Chato, né?
- ...
- É que seu final de ano foi muito conturbado.
Enquanto ouvia essas últimas palavras, tentando evitar o contato com dores tão recentes, Felipe desviou o olhar até a janela, estourada com a luz de um mês de abril excessivamente quente. Pouco antes, de manhã, estivera, acidentalmente, numa galeria, folheando livros, vendo-lendo-ouvindo um jeito ambiente de criar poemas com efeitos de pedal e guitarra. Aquilo tudo, numa espécie de liturgia compartilhada entre vinte pessoas, não mais; o silêncio de um encaixando na respiração do outro, e a distração sendo o verso da comoção de alguém; aqueles dedilhados derramando mundo, falando de coisas que só revelamos quando não há palavra; ah, a palavra, seguiu pensando Felipe, reparando num fio não domesticado na sobrancelha de Antônia; aqueles sons, aquela harmonia sintetizada com uma delicadeza tão compatível com o que entrega a natureza, e a inevitável careação com os cortes fundos que provavelmente ainda sangravam para dentro - caramba, Felipe teve a impressão de uma sombra grande na janela, um avião -; aquela manhã, toda ela, em cada detalhe, levantara, mas derrubara o dia, dando a dimensão da construção permanente da vida, bonito, mas tendo a saudade como fatura, meu Deus.
- Me perdi agora.
- Posso dar um gole?
- Cuidado para não impregnar o copo com cheiro de sashimi.
- Pode deixar. Mas vou desistir de tentar pedir um beijo.
- ...
A gramática, depois
E enquanto tocava aquela música, quando chegava o refrão, quando emendava palavra em palavra, que, sendo tão melodia, não deixava de ser significado, de ser sentido, sentida; era sempre o mesmo jeito de perceber que as coisas gritam de longe, porque passam, e o que chega é o eco, e eco é sempre triste, porque supõe uma curva no tempo, inevitavelmente descendente no final. O que pode ser isso que ganha forma numa música, sem deixar de ser etéreo, mas gatilho de tanta lembrança esfumaçada, carregada de matéria que foi? Aí André gritou:
- Vai, Luísa. Experimenta, Luísa. Vê se não acontece com você.
A melodia, primeiro. A gramática, depois.
Vinte e dois anos
Outro conto de Um céu diferente daquele de lá, para ouvir, no Bandcamp.
HO
“Cúmplice leitor, que este tapete trançado seja para você um tapete voador.”
