Por esses dias, os artistas Christo e Jeanne-Claude instalaram um píer-ponte no lago Iseo, na Itália, conectando Sulzano, o monte Isola e a ilha San Paolo.
Deriva ou situação?
Por esses dias, os artistas Christo e Jeanne-Claude instalaram um píer-ponte no lago Iseo, na Itália, conectando Sulzano, o monte Isola e a ilha San Paolo.
Deriva ou situação?
Na pilha de livros que têm se revezado por aqui, a bem boa edição da Cobogó para Popismo, com as assinaturas de Warhol e de sua secretária, está coincidindo com um texto do Danto sobre a Brillo box, os limites da arte e o percurso da beleza como categoria definidora do "artístico".
Entre as centenas de festas na Factory, uma das coisas mais legais do livro do Warhol, que costuma ser legal em todos esses livros de artistas (plásticos, escritores, músicos etc.), é o cruzamento de personagens que, apesar de contemporâneos, nunca tinha imaginado juntos num grupo de discussão. Nesse caso específico, são os contatos entre Warhol e Mekas.
Vale ler.
Dialogizando as monológicas mídias de massa. Partilhando o sensível. Bruno Faria.
Desde o começo de maio, Martin Creed instalou um letreiro, no Brooklyn Bridge Park, em Nova York. A poética por trás do trabalho, comum a alguns artistas contemporâneos, parte da apropriação da visualidade do signo verbal intrinsecamente identificado com as mídias das culturas do consumo.
Existe uma aposta na ressemantização de um signo atrofiado pela rotatividade das lógicas de produção e circulação - de materialidades e sentidos. Como se, ao invadir um meio publicitário, o artista fosse capaz de recompor algum diálogo perdido com o "urbanita". Desviando o sentido original atribuído a essas mídias, o artista estaria em condições de resgatar o leitor que pode - talvez devesse - existir em cada consumidor. Conceitualmente, a prática reporta ao desvio situacionista, tão bem colocado em prática pelos provos holandeses que interviram em publicidades de carro e cigarro, e que, mais recentemente, ganhou o apelido de "culture jam".
Intrigante nesse tipo de trabalho - que ajusta percursos icônicos e indiciais para a construção do significado - é o questionamento, na criação e na recepção da "obra", das fronteiras entre uma coisa e outra. Quando uma palavra midiatizada deixa de ser anúncio para ser denúncia? Se é que deixa. Se é que seria possível escapar à lógica das relações sugeridas pelo meio - pensando, de novo, com o mestre McLuhan, que o meio modela a trama social, ou, com o mestre Flusser, que as sociedades que conheceram a escrita viram todo seu caldo cultural afetado pelos limites da mídia palavra.
Por último, sem saber se concordando ou não, se concordando muito ou pouco, penso no clássico ensaio "O autor como produtor", do mr. Benjamin. Ali, o mestre dos mestres magos, escreveu que não haveria possibilidade de uma arte revolucionária que não rompesse com os meios de produção e circulação do dinheirinho. Mais que ideias, o artista deveria produzir meios novos de fazer rodar seu vírus revolucionário.
“Rather, it worked like this: there used to be material labor; now there is immaterial labor. Its a different kind of labor. Its the opposite! But its still only a modified capitalism, a cognitive capitalism. Its not material any more. Capitalism itself is about ideas. Its striking how much one can get carried away with the play of language, and forget to look at the world. Somehow, I don’t think the hundred million industrial workers of China perceive their work as immaterial.”
Nem tão ruins, que pornográficos.
Versos homográficos.
FAÇA O SEU!
Logo nas primeiras páginas de O ano em que vivi de literatura, tive a impressão de que Paulo Scott não escreveu o livro para ganhar prêmio. E isso é curioso: primeiro, porque narra o ano vivido por um escritor às custas de um grande prêmio literário; depois, porque é um romance que se faz ótimo nos detalhes da leitura - e, por detalhes, me refiro a algumas sequências nas escolhas dos títulos dos capítulos e, até mesmo, na insistência em algumas passagens que têm o mesmo propósito: mostrar que a trama anda, inclusive quando parece não andar.
E por que o livro fugiria da bula dos prêmios? Porque vai na contramão de todo o politicamente correto e a boa-mocice que, feicebuquianamente, tomaram conta do Brasa nos últimos anos. Mundo literário incluído, com louvor.
Scott fala de um escritor desencaminhado após o primeiro lugar no concurso literário com o maior prêmio do país. Com a promessa de viver de literatura, o protagonista abandona a carreira de professor universitário e passa todo o ano ocupado com fodelanças infinitas e com o vitrinismo de seus poemas, no Facebook. No percurso, que às vezes ameaça ser maçante, descobrimos que o ritmo do texto constrói o tempo do próprio narrador, sujeito tão dos nossos dias, refém dos slogans de um Brasil que estava dando certo e daquela armadilha - que costuma falhar no final - de viver do que se gosta.
Conforme acompanhamos o ano do protagonista, ainda que diversos elementos pareçam nos encaminhar para o lado contrário - talvez seja machista e egoísta -, alguma coisa no texto, possivelmente a circularidade e a redundância dos acontecimentos, que sublinham nossa impotência diante do mundo, acaba trapaceando a tentação de uma leitura reta e blasé, e estabelece uma azeda identificação com o personagem: machuca não saber perder.
De repente, me dei conta de que a solidão de Graciliano tinha muito da minha solidão, e de que o fardo sisífico de querer que as coisas terminem bem é a pior condenação que qualquer pessoa pode ter.
A vida fracassa, mermão. Mesmo a vida que a gente edita no feice e inventa na literatura.
Várias são as vezes em que a gente se descobre aflito por reconhecer alguma semelhança entre o que acontece na arte e na publicidade. Vamos encaminhar, bem rápido, um porquê possível.
Poucos dias atrás, o Burger King fez esse desvio - bem na linha do détournement situacionista -, para homenagear os 90 anos da rainha Elizabeth II. Se há quem ache a ação simpática e "oportuna", há certamente quem enxergue nela simples oportunismo.
Agora, vamos dar uma olhada nesse trabalho do Robert Montgomery, parte de três "billboards" que o artista instalou em Londres, mesma cidade da loja do Burger King, lá em 2012.
Montgomery se diz herdeiro dos situacionistas e é também da linhagem dos artistas que criam a partir do remanejo de signos consagrados pela cultura midiática. Seja no uso de outdoors, como no exemplo aí de cima, seja em seus versos emitidos em lâmpadas néon, o escocês invade a comunicação "de massa", como já havia acontecido com diversos trabalhos da Pop Art, para subverter seus sentidos originais. Evidentemente, parodiando letreiros publicitários, o artista não deixa de se aproveitar da força de promoção que esses meios adquiriram desde o final do século XIX. Mas, segundo Montgomery, o procedimento seria meio um "feitiço contra o feiticeiro".
O que interessa nesse post é tentar entender o que existe em comum por trás dos dois processos criativos e por que reconhecer tal semelhança pode incomodar.
Semelhança, "concentração sêmica", afinidade de sentidos, é a matéria-prima da metáfora. Tanto no caso do letreiro do Burger King como na obra de Montgomery, existe uma semelhança em relação à comunicação publicitária. "Isso é uma publicidade". "Isso é como uma publicidade".
Por outro lado, mais sutil, porque já nos acostumamos com ele, relacionamos esses formatos, esses meios (painel, letreiro, outdoor) com a publicidade por uma relação de contiguidade. Ou seja: por sempre carregarem mensagens publicitárias, entendemos que toda mensagem que veiculam é publicidade. Essa construção de sentido obedece à lógica da metonímia, quando um elemento é índice do outro, por, de alguma forma, ser reconhecido como parte constitutiva/derivada dele.
Como muito didaticamente ensina o mestre Pignatari, referindo-se ao linguista russo Jakobson, as mensagens que se constroem simultaneamente por processos metafóricos e metonímicos são as que evidenciam a função poética da linguagem. Em outras palavras: um texto com cotas semelhantes de metáfora e metonímia, e dependente desse casamento para fazer sentido, é um texto poético, um texto que traz à tona a força da mensagem.
Queiramos ou não, e essa seria a façanha das análises de um mestre como o Pignatari, às vezes, e para além da ideologia, a publicidade e a arte podem coincidir na poesia.
Haus-Rucker-Co (1968)
É um caminho partir da análise de McLuhan sobre os gadgets como extensões narcísicas dos sentidos, para pensar o potencial das máscaras na cultura em geral, e em movimentos de vanguarda, em particular. Entre os primeiros dadaístas, como, por exemplo, o romeno Janco, a máscara recolocava a arte em contato com sua vocação ritual, com certo primitivismo, supostamente diluído no desenvolvimento da arte burguesa e das instituições da arte moderna (museus, por exemplo).
Tentando pensar com os olhos do McLuhan, a máscara, normalmente sinônimo de ocultamento, disfarce e fetiche (no sentido freudiano), teria, por outro lado, a missão de ampliar alguma sensibilidade, que, paradoxalmente, terminaria mais exposta - justamente para sentir o entorno - que recatada. McLuhan escreveu que todo homem busca reconhecer-se a si mesmo, ainda que sem saber, nos meios dos quais se vale para estar no mundo. Via de regra, a gente cita o autor de Understanding media no contexto das tecnologias midiáticas mais "avançadas". Mas, tomando a máscara como um meio, que de fato é, começamos a entender um pouco mais os modos por meio dos quais um véu, um capacete ou uma fantasia - alheios à rotina - ampliam o sentido de nós mesmos, ou pelo menos o sentido que queremos imprimir em determinado espaço-tempo, como os que criamos em rituais de passagem, em festas, em cerimônias mágicas, em performances artísticas.
Bauhaus (década de 1920)
Em diversos episódios das vanguardas, neovanguardas, do ativismo e, inclusive, da cultura pop, reformar o rosto por meio desses acessórios foi uma maneira de representar o homem que habitaria o sistema simbólico em direção ao qual artistas acreditavam caminhar. Por exemplo, os artistas ativistas vienenses do Haus-Rucker-Co, na década de 1960, para quem a arquitetura do próprio corpo mobilizaria os sentidos tão ou mais visceralmente que substâncias alucinógenas. Também ficaram famosos figurinos das festas na Bauhaus. Ou as máscaras de gorila das Guerrilla Girls. Ou os parangolés do Oiticica. Ou, para ficar num último exemplo, até mesmo as máscaras do Slipknot.
Guerrilla Girls
Ótima leitura para pensar as trocas entre as vanguardas históricas europeias e o Modernismo brasileiro. Benedito Nunes acompanha os passos de Oswald de Andrade para destacar a cota de originalidade da antropofagia do autor do Manifesto da Poesia Pau Brasil. A discussão é tão boa, e pertinente, que abre caminhos para diversas especulações sobre as contaminações "pós-modernas" entre arte, literatura e textos da cultura midiática.
http://www.revistas.usp.br/ls/article/viewFile/25428/27173
Li uma nota sobre esse que seria o primeiro filme integralmente produzido a partir de pinturas. Do que escreve a BBC, o mais divertido provavelmente será ver e ouvir as entrevistas cedidas pelos personagens das telas do Van Gogh. Hibridismo midiático a favor da imaginação, da fervura do caldo da cultura.