Eu cortava cabelo no Stylus

Para a aula sobre estilo, no curso de (re)escrita (re)criativa, no CCSP, discutimos um pouco a noção "verticalizada" de estilo, do Barthes, e usamos o clássico Exercícios de estilo, do Queneau, justamente para pensar se podemos ou não escrever para além de "condicionantes inatos". Foi toda uma boa conversa, mas foram ainda melhores os textos que alguns dos participantes desenvolveram a partir da proposta de um hipotético 100° exercício. Renata e Beatriz reescreveram o episódio do ônibus, narrado 99 vezes - cada uma em um estilo - no original de Queneau, ao modo "erótico". Já Marcelo organizou seu processo de criação à maneira dadá. 

Renata Brabo

Renata Brabo

Beatriz Prieto

Beatriz Prieto

Lá esperança subia de tamancas no paratodos transportável S, lotado. Cary Grant, o malandro nordestino afetado, em torno das 12:23, um rapazote de 129 anos, um babaca com um pescoção depenado e sem recheio, de repente, porque Pituca pisoteava e é pisado por B, interpelou seu vizinho, um velho imbecil ao lado. Incapaz de levar a rixa com a ralé, logo se esgueirou e empreendeu o preenchimento de um lugar disponível, foi-se.
Horas, esse revi. O conjunto dos pedestres presentes conversando animadamente em plena estação mal-acabada. O professor aconselhava a diminuir um botão do seu sobretudo, é!! no dele!!
— Marcelo Fernando da Silva

Crazy emotions

Everyone has been seized by an indefinable intoxication. The small cabaret is about to come apart at the seams and is going to be a playground for crazy emotions.
— Ball, 1916 - http://www.bbc.com/culture/story/20160719-cabaret-voltaire-a-night-out-at-historys-wildest-nightclub

Por mais que a gente se esforce para imaginar o que seria um cabaré, como o Voltaire, num país europeu resguardado da Primeira Guerra, não é fácil alcançar o que podem ter significado as sessões, as bebedeiras, as apresentações, as criações, as pegações, as experimentações e todas as locuritas dos dadaístas de Zurique. 

Tento relacionar com os movimentos e produções contemporâneos meus, pensar no tipo de bar que poderia receber uma revolução cultural, no tipo de artista que bagunçou o padrão de ideias desse trânsito século XX-XI, e não é fácil apostar em nada em especial. Tem um palpite aqui, outro ali, mas identificar alguma força criativa capaz de reconfigurar o comportamento de quem tem necessidade de criar, quando a lógica ainda pede para produzir, é pouca brincadeira.

Wow

New single "Wow" available now: http://smarturl.it/BeckWow Listen on Spotify: http://smarturl.it/BeckWowSpotify Director: Grady Hall, Beck Creative Director / Editor: Brook Linder Producer: Allan Wachs Executive Producer: Haley Moffett Talent + Artist Contributions Sam Cannon - https://www.instagram.com/samcannon Randy Cano - https://www.instagram.com/randy.cano/ Andy Gregg / Super Studio - https://www.instagram.com/studio_super/ David McLeod - https://www.instagram.com/david_mcleod/

Surge esse clipe do Beck, com habilidade precisa para pinçar - talvez ironicamente, e por isso fazendo as vezes de crítica e elogio ao mesmo tempo - imagens inconfundivelmente sedutoras da cultura americana. Tem Western, tem rock, tem mosh, tem slow motion, tem saturação, tem espetáculo, tem pet, tem minimiss, tem game, tem simulacro, tem plasticidade em tudo que existe de natureza e fabricação no imaginário de um dos maiores impérios da história do homem. 

Um vídeo assim, vestindo a letra que já tinha circulado antes, aos olhos de alguém de hoje, São Paulo, Brasil - leia-se "eu" -, despista a patrulha da razão para cobrir o corpo com os infinitos estímulos sensíveis de uma cultura midiatizada em incontáveis graus. Não é de hoje: Beck vai preparando cama no panteão da mitologia pop que abriga um Bowie. 

a segunda vida dos restos que escrevem o mundo

Num dos exercícios que fizemos no curso de (re)escrita (re)criativa, no CCSP, costuramos um procedimento do Arp, dadaísta dos que originalmente habitaram o Cabaret Voltaire, com um poema de Ricardo Reis. Substituímos algumas palavras do poema do Pessoa por outras colhidas, aleatoriamente, de uma edição da Folha

Depois desse aquecimento, falamos um pouco de Schwitters e da poesia Merz, que, a exemplo do seu trabalho "plástico", também se alimentou dos descartes da cultura industrial. Lemos seu poema "Coleta de lixo na Kaiserstrasse" e, por aproximação temática, pensamos o "Matéria de poesia", do Manoel de Barros. Estimulados por esses movimentos e entrelaçamentos, três dos participantes da oficina criaram textos, em formatos livres, a partir de ideias, materiais, documentos e lembranças descartadas. 

O resultado foi pura poesia: a segunda vida dos restos que escrevem o mundo.

"Egoarquitetura", Priscila Tâmara

"Egoarquitetura", Priscila Tâmara

"A quem possa interessar", Lucas Hirai

"A quem possa interessar", Lucas Hirai

"Como num segundo", Pither Lopes

"Como num segundo", Pither Lopes

What can be considered a truly Latin American art and philosophy?

After years of neglect, this category was revived in the 1960s and ’70s under the pressure of military dictatorships and debates around “dependency theory,” which sought to understand Latin America’s economic underdevelopment and its dependency on the United States. In the arts, debates raged across the continent: If our economy and culture has been imported from Europe, how can the South overcome this position of being a bastard copy of the North? How can we know what is or is not properly ours? What can be considered a truly Latin American art and philosophy? Or as Marta Traba would ask: Can Pop art occur in Latin America without the existence of a truly accessible mass culture? In the midst of this debate, the category of the anthropophagus reemerged as a way to reclaim the mestizo and anthropophagous nature of the South’s intellectual production, and offered a means for reworking Euro-America concepts without any need to “be authentic,” and without being predestined to represent “cactus, parrots, and palm trees.”
— María Iñigo Clavo - http://www.e-flux.com/journal/modernity-vs-epistemodiversity/

Chapéu voador

Depois de quase 90 anos, é um barato ficar imaginando que tipo de magia os espectadores - de 90 anos atrás - atribuíam a um chapéu voador num filme do mr. Richter. Quem será que viu?

the remains

I empty myself of the names of others. I empty my pockets.
I empty my shoes and leave them beside the road.
At night I turn back the clocks;
I open the family album and look at myself as a boy.

What good does it do? The hours have done their job.
I say my own name. I say goodbye.
The words follow each other downwind.
I love my wife but send her away.

My parents rise out of their thrones
into the milky rooms of clouds. How can I sing?
Time tells me what I am. I change and I am the same.
I empty myself of my life and my life remains. 

Mark Strand

às vezes você faz uma obra que contém uma previsão

Basicamente, eu costumava pintar. Foi assim que comecei e, a certa altura, pintava muitas nuvens. Na Iugoslávia, havia um grupo de estudantes que tentava romper com a tradição vigente e fizemos uma exposição chamada As Coisas Pequenas [The Little Things]. O tema era levar um objeto que inspirasse e fizesse parte da vida de cada um de nós, mas que não fosse uma obra de arte. Então, um estudante trouxe a porta de seu estúdio, como parte da exposição, porque disse que, para ele, era muito importante abrir a porta de seu estúdio quando entrava para trabalhar. Isso era uma coisa inspiradora. Outro sujeito trouxe só a colcha da cama dele. Disse que, antes de trabalhar, ele sempre dormia, então era algo importante. Outro trouxe a namorada e disse que sempre fazia amor com ela e depois ia para o estúdio trabalhar, dessa forma ela era muito importante. Eu levei uns amendoinzinhos, porque fazia muitas pinturas com nuvens. Chamei o amendoim de Nuvem com sua Sombra [Cloud with its Shadow]. Esse foi um dos meus primeiros trabalhos que não eram pinturas e nem eram orientados ao objeto. Com essa obra realmente rompi com a tradição da época na Iugoslávia da década de 1970.
— Marina Abramović: http://performatus.net/body-art/
Relation in Time também foi feita em Bolonha. Ficamos sentados juntos, amarrados pelos cabelos, durante dezesseis horas, sem público, e a cada hora era feita uma imagem. A ideia era ficar lá sentados na performance e perder completamente a nossa energia. No final da nossa energia, o público foi convidado a entrar e tiramos a energia do público, e ficamos lá mais uma hora. O tempo total dessa peça foi dezessete horas, em que ficamos expostos como uma escultura. Essa imagem foi usada sem a nossa permissão para uma propaganda de xampu da L’Oréal em Paris. Isso acontecia com os artistas na década de 1970: eram usados em propaganda e em empresas de moda e assim por diante.
— Marina Abramovic: http://performatus.net/body-art/

2 fotos

Depois que inventaram uma maneira de industrializar o mundo, as coisas em circulação no mundo, ficou quase inútil separar o que é criação para o mercado daquilo que é "genuinamente puro". Fato é que, desde que os situacionistas, em meados dos 50, viram na "construção de situações" uma maneira de restituir, no homem, sua "vocação lúdica", a situação também encontrou seu espacinho na engrenagem da produção e do consumo.

The Whip, Coney Island, 1950 (Harold Feinstein)

The Whip, Coney Island, 1950 (Harold Feinstein)

Metrô de Londres, década de 1970 (Bob Mazzer)

Metrô de Londres, década de 1970 (Bob Mazzer)