ready-made utopiense

Para prevenir tais inconvenientes, os utopienses imaginaram um meio coerente com suas instituições, e inteiramente distante das nossas - nós, que tanto valorizamos o ouro e com tanta diligência o guardamos -, um meio em que apenas os experientes podem crer. Pois os utopienses comem e bebem em utensílios de barro ou vidro, elegantíssimos, embora bem baratos. Já de ouro e prata eles fazem urinóis e todos os vasos mais vis, não apenas dos palácios públicos, mas também das casas privadas. E ainda fabricam, dos mesmos metais, as correntes e os pesados grilhões com que são presos escravos. Finalmente, todos aqueles que o crime tornou infames carregam brincos de ouro nas orelhas, têm anéis de ouro nos dedos, põem no pescoço correntes de ouro, e até mesmo cingem de ouro a cabeça. Os utopienses cuidam, assim, por todos os meios, que seja uma verdadeira ignomínia portar qualquer peça de ouro ou prata. Por tal motivo, esses metais, cuja perda os outros povos temem mais do que a perda das próprias vísceras, junto aos utopienses, quando se torna necessário que os entreguem, ninguém parece haver perdido sequer um único centavo.
— Thomas More (1516/2017, p.123)

E de pensar que, talvez, Duchamp jamais tenha imaginado seu ready-made, de porcelana, valendo mais que ouro. Vai dando para entender por que virou mestre enxadrista (esporte favorito dos utopienses) e abandonou o trade das artes.