A vida como um gerúndio e vários particípios...

Por Krishnamurti Góes dos Anjos*

É como define a existência o personagem central do conto “Fernando e o particípio”, do novo livro de Rodrigo Maceira. A obra se chama “Até de repente” e reúne 7 contos e um sumário das músicas de uma fita K7 “Só sucessos” do grupo A-HA, banda musical que obteve grande popularidade nos anos 80.

Empolgamo-nos com a levada do A-HA, e experimentemos ler esta resenha ao som de uma das faixas. A música “Take on me” cujo link no youtube é:

https://youtu.be/djV11Xbc914

Maceira é um autor que, julgando a farta referência musical presente em seus contos, tem mesmo “uma relação desmedida com os CD´s.

Mas expliquemos melhor a comparação que o personagem faz com o gerúndio no sentido de que essa forma verbal indica uma ação contínua que está, esteve ou estará em andamento, ou seja, um processo verbal não finalizado. O particípio expressando uma ação concluída, terminada. Com efeito, ciclos da vida que se interpenetram como nos diz a narrativa: “Quieto, Fernando alimentava a mania boba de classificar o mundo em gerúndio e particípio. O que vinha antes? O ovo ou a galinha? Todo gerúndio, acreditava, desembocava num particípio – mas o particípio era só um degrau na escalada de uma existência em andamento. A vida era um gerúndio com vários particípios”. (p.101).

Paulo Scott comenta com muito acerto, na orelha da obra, que Rodrigo Maceira tem a capacidade de fazer o leitor “imergir sem esforço na linguagem de muitas nuances, nas entrelinhas, na autopoiese do que está sendo contado, nas camadas ocultas (sempre as mais relevantes)”. Autopoiese (do grego auto, próprio, e poiesis – criação) é um termo que designa a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo essa teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético caracterizado como uma rede de produções (processos) em que suas menores partes produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas (partes) que as produziu. A conservação da autopoeise e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema autônomo que está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio.

Daí as referências culturais (sobretudo as musicais), que perpassam toda a obra e vão se entrelaçando por um pormenor, um detalhe, de uma forma tal que terminam por compor um denso painel da formação humana como ela se dá e se problematiza ao longo do tempo, vista pelo ângulo do sentimento e das perdas que vão ocorrendo. O narrador de “Manolo and the punks” sintetiza bem esse enfoque: “A noção de uma cultura pop palimpsestada (palimpsesto - texto que existe sob outro texto), com diversas camadas de autorreferência, ajudava a explicar a relação paradoxal, de atração e repulsa, que ele mesmo sentia diante de fenômenos como o punk e os quadrinhos. Era tudo incrível e rebelde, mas era tudo pastiche e integrado demais. Aquelas expressões eram denúncia e adesão ao mesmo tempo, a via de acesso rasa para, no século XXI, as mesmas questões profundas que atrapalharam o sono do homem de Cro-magnon”. (p.120).

Assim são personagens de Rodrigo Maceira – quase todas jovens flagradas em seus momentos de busca e perquirição. De encontrar o sentido das próprias vidas. Vejam a exemplar definição de existencialidade no trecho: “Estávamos todos ali, todos eles, todos nós, sinceramente tocados pela idéia de que muita coisa na gente repete sonhos que nos inauguraram, antes sequer de a gente ser, antes de os anos, as décadas e os séculos espelharem as saudades que a gente vai produzir”. (p. 48). Assim nosso caminhar por gerações e gerações... E por falar em saudade, a geração que hoje anda na casa dos cinqüenta, deve lembrar-se da música do A-HA, de que falamos, vale a pena escutar e lembrar: 
https://youtu.be/djV11Xbc914

Ouvi-la nos fará entender melhor a frase solitária do conto Rebento: “You’ll end up crying with your mother’s eyes”. Em tradução livre: Você vai acabar chorando com olhos de sua mãe.

Livro: “Até de repente” – Contos - de Rodrigo Maceira.
Editora Oito e meio, Rio de janeiro, 2016, 208p.

(*) Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor, Pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos eDoze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.