A literatura é um acerto de contas com o que acaba

Com tudo o que faz da gente o que a gente imagina ser.

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Sempre sento para escrever, sobre um episódio inspirado no que eu quis que fosse, do jeito que eu quis, ou em alguma tentativa pura de invenção, impossível mas heroica, e travo uma batalha, fatalmente fracassada, contra mim mesmo, contra a incapacidade que tenho, que temos, de ser pra sempre e, assim, dispensar artifícios que esperam prolongar o que tem fim.

Penso num casal deixando uma mesa, o bar em Quito; têm jeito e cara de estrangeiros, na Plaza Foch, querendo achar a América Latina cosmopolita e tramar um futuro onde o novo nem sempre é desenvolvido, e as margens do tempo oscilam como a auréola ao redor dos luminosos que vendem bebida, hospedagem e estações de internet. Ela acende um cigarro, não sabe se pode; faz diferença nenhuma, porque ela não fuma. Ele pensa na cantada que levou, de um homem, e de manhã, no ponto onde esperava o tour que sairia para o topo de um vulcão. Resvalam as mãos umas nas outras, apressam o passo até o espaço das mesas recuadas; divertem-se com o balanço que rege os corpos dos outros, corpos cheios do mesmo sotaque que perceberam, então, na voz e nos tons de quem tempera bem o peixe e recomenda literatura jovem boliviana.

Estão achando graça em dançar, colar o rosto e respirar a respiração da boca de cada um; um vai e um vem, uma régua que nivela o salão, subindo todos para uma mesma altura, onde o céu conta as pessoas como peças de uma constelação. E, sendo isso, só isso, é tão isso que ameaçam esquecer a crueza do dia seguinte e das manhãs por vir, dias depois, na rotina de trabalho e na comida por quilo. Ouvindo o pop em francês, quadril pra frente e pra trás; foi na década de 80, assim, mas, sem saberem, era de novo, com eles, pela primeira vez, numa noite que não volta, não voltaria jamais.